Civilização em Transição (vol. 10/3)

analiticamente
3 min readJun 19, 2021

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Neste volume, estão reunidos quatorze textos, entre os quais encontramos transcrições de conferências dadas no período entre guerras. Boa parte desses escritos possui um caráter social, apresentando as considerações do autor sobre o que ocorria no início do século XX. Então é de se esperar uma discordância do(a) leitor(a) ao entrar em contato com as ideias do autor nesse volume, sobretudo quando tange às mulheres, aos negros, aos americanos e bem… à Índia. O curioso é que, geralmente, Jung iniciava a fala pedindo desculpas pelas suas opiniões, como se já tivesse uma previsão sobre o impacto polêmico que elas poderiam vir a ter.

Mas o que achei valioso nesse volume foi o quanto o autor ressaltou diversos perigos na área da psicologia, especialmente em relação ao extremo de só considerar sua própria psique enquanto validade geral e o quanto a sociedade ainda é negligente com os aspectos psíquicos, principalmente com os sonhos.

Dessa obra, ressalto os textos: “A situação atual da psicoterapia”; “O bem e o mal na Psicologia Analítica”; e, surpreendentemente, “Prólogo aos ‘Estudos sobre a psicologia de C.G. Jung’, de Toni Wolff”.

“Não podemos negar que a nossa época é um tempo de dissociação e doença. As condições políticas e sociais, a fragmentação religiosa e filosófica, a arte e a psicologia modernas, tudo dá a entender a mesma coisa. Será que existe alguém, mesmo tendo só um pouquinho de sentimento de responsabilidade, que se sinta bem com este estado de coisas?” (§130- Jung em 1939, mas que poderia bem ser uma descrição de 2021)

No primeiro, Jung faz um questionamento central que, ao meu ver, se estende à atualidade: quanto o caos externo representa o adoecimento interno das pessoas? O autor também faz uma defesa em relação aos sonhos, que, à princípio, achei exagerada, mas acabei mudando de opinião após um sonho que eu tive logo depois da leitura. Sonhos podem mudar o dia de uma pessoa e podem trazer aspectos que geralmente não são levados em conta na vida consciente de uma pessoa e, em termos coletivos, de uma população. Jung ressalta o quanto a interpretações de sonhos não se aprende em livros e como a técnica precisa ser utilizada de uma maneira viva para ser efetiva.

Já no segundo texto, vemos o caráter empírico das questões relativas ao bem e ao mal. Jung dá muita importância às considerações e elaborações filosóficas a respeito do tema, mas chega a uma síntese da sua concepção quanto ao tema — enquanto algumas coisas irão fazer bem a certos indivíduos, essas mesmas coisas irão fazer mal para outros. A questão torna-se empírica, logo, é importante se ater ao que é considerado bem e mal para cada paciente e não se resumir a uma moral da época ou a concepções generalizadas.

É nesse mesmo aspecto, o da empiria, que o terceiro texto me salta aos olhos. Primeiramente, é um texto que traz considerações do autor sobre grupos (recomendo esse texto para quem estuda o tema). Em seguida, apresenta a questão de considerar apenas a sua psique enquanto validade geral, mas dessa vez com o recorte da situação do especialista e como o preconceito dele poderá ter o efeito de colocar o seu conhecimento da área enquanto único e válido. Sabemos o quanto o autoconhecimento e o reconhecimento da própria equação pessoal são importantes para o trabalho analítico, mas, nesse volume, Jung parece enfatizar o extremo desses saberes e os perigos de abarca-los em um individualismo.

Das divisões do volume X, achei o Civilização em Transição o mais difícil de ler até agora. Mas como são textos separados, existe a possibilidade de ler de forma mais espaçada caso a leitura estanque.

GRIFO: “É praticamente normal que emprestemos ao outro nossa própria psicologia, isto é, achamos que a psicologia do outro é igual a nossa: o que nos agrada, agradaria também ao outro; o que achamos mau ou desagradável, também o seria para o outro” (§130)

Texto escrito por Jessiane Kelly, graduada em Psicologia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Revisão de texto: Khadja Oliveira.

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