Um mito moderno sobre coisas vistas no céu

analiticamente
3 min readOct 15, 2021

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Pode parecer inusitado investigar cientificamente Objetos voadores não identificados (OVNIs) em uma perspectiva psicológica, afinal, ainda não se sabe sobre a sua materialidade e propriedades físicas…mas então de que serviria uma pesquisa com um objeto que, supostamente, “não existe”? E se o ser humano criou, fantasiou, sonhou, escreveu livros sobre OVNIs, ETs, vidas extraterrestres, não poderíamos dizer que isso de alguma forma existe? Mas essa não seria uma linha de pensamento próxima ao objeto da psicologia, a psique? E que se um assunto tem impacto na vida das pessoas, já não seria o suficiente para levantar hipóteses para um estudo aprofundado?

É a partir disso que Jung investiga com muita cautela o fenômeno dos OVNIs durante o período do pós-guerra, da Guerra Fria. Ele passou 10 anos juntando materiais de várias fontes para entender o que tais formas poderiam significar para a psique e apontou que esse fenômeno atuaria de forma viva para as pessoas enquanto símbolo.

Para entender os significados possíveis, ele separou o livro em três sessões principais: “O OVNI como boato”; “O OVNI no sonho”, e “O OVNI na pintura”. Nessa costura, vemos a utilização do método comparativo e a ampliação desse símbolo de uma forma mais clara. Na primeira, ele nos apresenta o conceito de boato visionário, que seria oposto ao boato comum, já que apresenta um grau de emoção inconsciente, propagação popular e sensacionalismo. Jung surpreende-se com a força que o boato sobre OVNIS obtinha na época e como eles ganhavam reconhecimento de autoridades militares em diversos países.

Já na segunda parte, Jung apresenta uma série de sonhos com a presença de OVNIS e analisa-os. Confesso que achei interessante a possibilidade apresentada pelo autor de investigar uma série de sonhos de diferentes pessoas de forma conjunta e não apenas a série de sonhos de uma só pessoa. E, por fim, na terceira parte, o autor utiliza-se de pinturas plásticas modernas, pois segundo ele, elas captam o espírito fragmentado daquela época: “É a beleza do caos. É isso que esta arte preconiza e prega: um monte ostensivo de cacos da nossa cultura.” (par. 724).

É comum em tempos de fragmentação social surgir a necessidade de um elemento unificador, seja advindo da criação de fantasias ou do imaginário. Assim, Jung associava OVNIs aos símbolos de totalidade, como o número 4 e a mandala, que seriam representações do que o autor postulava como Si-Mesmo (ou Self), o centro ordenador. Além disso, ele também apontou a possibilidade de eles representarem o medo coletivo da morte ou uma fantasia coletiva projetada aos céus.

“A experiência psicológica ligada à experiência com OVNIs consiste na visão ou lenda do redondo, quer dizer, do símbolo da totalidade, e do arquétipo que se expressa nas configurações da mandala. Conforme foi observado, estas configurações aparecem, na maioria das vezes, em situações determinadas por confusão ou impasse. O arquétipo, constelado em decorrência dessa situação, representa um esquema de ordem, que, como retículo psicológico, ou seja, círculo dividido em quatro, é colocado, de certa forma, sobre o caos psíquico. Desta forma, cada conteúdo recebe o seu lugar, e tudo o que estava se esparramando, aleatoriamente, é mantido unido, através do círculo cuidadoso e protetor.” (par. 803)

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